Elementar

O texto a seguir é o prólogo de um livro, atualmente engavetado, que certa vez comecei a escrever. Os personagens apresentados não devem ser os protagonistas, mas acabei ganhando certo gosto por eles. O texto é incompleto - nunca voltei a escrever. O final seria temporário. Apesar de tudo, é bastante extenso.

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PRÓLOGO





O céu parecia fogo líquido, fluindo lentamente, em seus tons vermelhos, pelos borrifos de nuvens escuras. No chão, tudo e todos expunham de boa vontade uma de suas dimensões para que fossem banhadas pela cálida luz do crepúsculo, consequentemente, longas e magras sombras se arrastavam pelo chão. Só um dos presentes ocultava a sua.

Aqui e ali casais se espalhavam pelo perímetro do Forte Eldur — um grande prédio branco neoclássico que, embora não fosse mais um forte, ainda conservava o seu nome histórico. Atualmente, era sede política e institucional do Governo, cuja localização privilegiada, no alto de um promontório, costumava atrair todo o tipo de gente disposta a ver um pouco de rara beleza — dando preferência à amurada ou à pequena praça de bancos um tanto mal dispostos, mas que ainda poderiam lhes dar uma boa visão do encontro entre o mar e o sol — ou uma desculpa para trazer uma garota ao seu peito e envolvê-la em seus braços.

Um casal, encostado à amurada de concreto branco, porém, chama a atenção. Fisicamente, não há nada de muito especial naqueles dois, afinal, pareciam só dois adolescentes normais, num lugar normal, num dia normal. Mas o jeito que eles se inclinavam um para o outro... como partes de imãs impedidos de se tocarem... e, bom, o garoto brilhava. E não era só por causa da sua boa aparência ou por seus cabelos claros refletirem a luz do sol. Ele literalmente brilhava. A garota humana ou qualquer outro mortal ao redor, nunca perceberiam aquilo, claro, embora, se chegassem muito próximos, acabariam afetados — sentindo-se atraídos por aquela fonte de energia desconhecida. Mas Isabelle conseguia ver o brilho.

Isabelle, talvez, fosse a presença mais peculiar da cena. Você a vê? Não? De fato, ela está invisível aos olhos humanos. Mas posso adiantar que ela está próxima daquele casal normal, mas interessante, ouvindo sobre o que eles conversam, que é:

Nada. Silêncio constrangedor. Ambos sorriem feito bobos.

— Primeiro encontro — o garoto de cabelos cor de areia finalmente cria coragem para dizer. Seus olhos castanhos estão calorosos, mais do que o comum, e fitam a garota com fascínio e talvez espanto. Não acreditava que ela estava mesmo ali.

Ela sorri e abaixa a cabeça momentaneamente. Ela é realmente bonita. Sua pele tem a cor do chocolate, seus cabelos negros movem-se com gosto ao vento e seus olhos da cor do mel são os olhos mais expressivos que ele já tinha visto. Ela o encarou. Ela estava feliz.

— Eu tive uma ótima tarde, de verdade, Lucas.

Ele assentiu e segurou a mão da jovem. Há muito eles eram amigos — antes de tudo mudar —, e recentemente descobriram que aquilo que eles sentiam poderia ser algo mais. Não havia motivo para ele ficar constrangido. Mas ele estava.

— Sara... eu... você quer sair comigo novamente no sábado? É... dia dos namorados....

Sara enrubesceu. Sorriu. Tentou dizer algo e não conseguiu, por isso assentiu fortemente. Um encantador sorriso está estampado no rosto de Lucas. Se você pudesse vê-la, notaria que Isabelle olha emocionada para a cena, como se estivesse assistindo ao capítulo final da novela das oito. E talvez essa seja uma analogia melhor do que se pensa.

Não conseguindo mais se conter, Lucas se inclinou e beijou Sara levemente nos lábios. Se afastou para olhá-la, queria ver sua reação. Ela sorria — se você está pensando que ela faz isso frequentemente, então somos dois. Três. Isabelle é da mesma opinião. Lucas voltou a beijá-la, dessa vez de forma mais profunda. Hum... bem profunda. Isabelle tapou os olhos com a mão. Mas Sara se afasta de Lucas.

— Desculpa, — ela diz — eu só não quero que você pense que eu...

— Ahm...não, não. Eu que deveria me desculpar...

— Sim.

E assim ela colocou seus braços envoltos no pescoço do garoto e começou a beijá-lo como ela gostava: ardentemente, com força. Isabelle resolveu espiar por uma brecha entre seus dedos e soltou um gritinho. O casal se separou mais rápido do que você julgaria ser capaz. Olharam surpresos e embaraçados para Isabelle. Porque agora sim, em forma humana, podíamos vê-la.

Isabelle, como pode ver, é esta pequena garota de uns 6 anos de idade em um vestido branco com babados. Ela era o tipo de menina que ouve a toda hora sem parar os adultos dizerem ridiculamente “Nossa! Como você é linda, garotinha!” e derivados. Seu cabelo era de um loiro muito claro e seus grandes olhos azuis pareciam absorver tudo ao redor. Em suas mãos, a garota segurava um guarda-chuva azul forte fechado, salpicado de gotas de água, como se tivesse acabado de enfrentar uma chuva. Pouco comum para aquela época do ano. Isabelle estava sentada sobre a amurada de concreto, inclinando-se para uma queda de quinze metros. A garota parou de encarar o casal e observou as gotas no seu guarda-chuva se deslocarem para a extremidade e se lançarem suicidamente no chão. “Pinga, pinga, pinga”, ela murmurava.

Sara se aproximou depressa da garotinha e a envolveu com seus braços, assustada, tentando manter Isabelle segura. Lucas permaneceu parado, tenso.

— Lucas, me ajuda! — Sara pediu. E, juntos, colocaram Isabelle no chão, do seu lado da amurada. Houve uma sensação desagradável quando ele tocou a menina. Ou melhor, a “coisa”. Era assim que ele estava se referindo a ela em seus pensamentos.

Isabelle sorriu.

— Muito obrigada — ela disse com sua pequena voz enquanto desamarrotava seu vestido —, mas eu poderia descer sozinha. — Ela parou e, erguendo-se na ponta dos pés, tocou Sara gentilmente com a ponta metálica do guarda-chuva — Vá para casa.

E os expressivos olhos de Sara se apagaram. Pareciam fitar o vazio. Sem nenhuma palavra, ela se virou e começou a caminhar na direção da escadaria. Lucas olhou-a ir apreensivamente. Mas era melhor assim, ele sabia. Ele forçou um sorriso em seu rosto e se curvou elegantemente na direção de Isabelle.

— Prazer em vê-la, Lady Azul.

A garotinha pegou uma ponta da saia de seu vestido e retribuiu o cumprimento.

— Igualmente, Lorde Vermelho. Venha, vamos dar um passeio.

“Está errado. Algo está errado.”, Lucas pensou. Mas não recusou o convite. Começou a caminhar ao lado da garotinha do guarda-chuva, dando as costas para o bonito pôr do sol, se afastando do Forte Eldur, e seguindo por uma alameda que mais parecia um túnel. Nada convidativo.

— Forma peculiar — ele disse a Isabelle.

— Você gosta? — ela perguntou, dando uma voltinha digna de uma bailarina enquanto caminhava — É a minha preferida.

Não, ele não gostava. Ele achava sinistro. Embora nem remotamente perto da estranheza da forma real que a garota começava revelar naquele momento. Isabelle foi coberta por uma luz azulada intensa que dificultou a vista de suas feições. Sua forma começou a se alongar. Em segundos, a garotinha havia sumido. Em seu lugar havia uma jovem e lindamente estranha mulher.

— Depois dessa, é claro. — Isabelle continuou.

A dama tinha um cabelo longo e branco que lhe caia pelas costas como fumaça. Sua pele era pálida como o leite. Seus lábios eram azuis, e a cor não se devia a maquiagem — era o azul dos lábios daqueles que sentem frio, cadavérico. Seus olhos eram da cor do gelo. “E devem ser capazes de congelar”, Lucas pensou. Usava um vestido branco elaborado, que lembrava contos.

Enquanto andavam, Lucas também mudou. Ele brilhava ligeiramente o tempo todo, como se em seu interior existisse uma fogueira. Seu cabelo curto reluzia como bagunçados e afiados fios de cobre. Bronzeado e inumanamente bonito.

            Alguns passos e eles abandonaram a proteção das árvores, diante deles uma praça com uma bonita fonte de mármore no centro se revelava. Havia uma igreja mais além. À luz dos lampiões, ambos os seres que caminhavam sugeriam ter acabado de deixar a adolescência. Pareciam surreais e opostos. Irradiavam poder.

            — E então, lady, o que quer conversar?

            A jovem sorriu bobamente. Logo colocou a mão sobre a boca. Lucas só a olhou.

            — Ah, meu caro... mas eu não vim conversar.

Por alguma razão, ele não estava surpreso.

            — Ah não? Do que se trata a visita, então?

            Mas Isabelle parecia distraída, fitava o céu limpo, agora escuro, com curiosidade. Lucas acompanhou o seu olhar.

            — Vai chover — disse ela, etérea.

            — Ahnm... não, acho que não. — disse ele, franzindo o cenho.

            Ela riu alto e o fitou astuciosamente.

            — Ah, sim, vai.

            O guarda-chuva azul foi aberto e, no segundo seguinte, uma chuva torrencial começou a cair.

2 thoughts on “Elementar

  1. Oiê
    sou blogueira Maranhense e estou organizando juntamente com outra blogueira um encontro de blogueiras(os)..rsrsrs( repeti a palavra blogueira de propósito tá?rsrs)
    então, venho convidar vc para participar desse encontro..tá afim?
    qualquer coisa entra em contato comigo pelo seguinte email
    blog_teen.tacao@hotmail.com
    PS..o encontro acontecerá na loja Couro&Cia,no shopping Rio Anil em São Luis, dia 26 deste mês.
    Podemos esperar por vc?

    Bjos

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  2. Hey, que legal esse texto. Você tem um dom com as palavras, faça uso delas.
    E sim, eu adoro os vilões porque me identifico com eles (não é tão legal quanto possa parecer). Eu posso dizer que me senti muito atraída por esse prólogo, se por acaso virasse um livro eu com certeza compraria e leria até cansar, como faço com todos os outros. Também escrevo compulsivamente, mas como desisti de tentar lançar um livro (ao menos agora), passei a escrever as conhecidas FanFictions e sou elogiada naquilo que faço (modesta?), mas como dizem "Há louco pra tudo!".
    Espero que volte, eu me viciei em seu blog.

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